Por que politicos acusados de corrupção estão julgando uma presidenta?
Que país é esse?
Teve quem mandou beijo pra neta, pra tia e um alô para o pessoal da maçonaria. Teve quem pediu o fim da CUT. Dos petroleiros (em ato falho, mas teve). Da educação sexual e do incentivo à troca de sexo para crianças nas escolas. Da ditadura de esquerda. Do exemplo da Coreia do Norte. Da ditadura bolivariana. Teve quem votou como “meu pai mandaria votar”.
Teve quem dedicou o voto à filha que vai nascer. Aos corretores de seguro do Brasil. Ao pai que vai fazer cem anos. E ao pai que detonou o esquema do mensalão dez anos atrás. “Pela verdade e pela democracia, voto sim”, disse, com a camisa do Brasil e um adesivo com quatro dedos, Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, condenado a 7 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
“Meu pai”, “meu filho”, “minha cidade”, “meu Deus” – nunca antes na história desse país o pronome possessivo foi tão evocado em um espaço público como no domingo em que a Câmara dos Deputados decidiu pelo prosseguimento do impeachment de Dilma Rousseff.
Na festa da supracitada família brasileira, Bolsonaro filho homenageou os militares de 1964. Bolsonaro pai elogiou o torturador Carlos Brilhante Ustra, que fazia Dilma Rousseff, torturada na ditadura, tremer. “Perderam em 64 e em 2016”, disse.
E elogiou Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o anfitrião da festa acusado de manter contas na Suíça com dinheiro desviado na Petrobras.
“Que Deus tenha misericórdia da nação”, disse Cunha, ao anunciar seu voto.
Como no velho Xou da Xuxa, deputados anunciavam o voto e mandavam abraço para quem assistia ao vivo pela TV e a Deus – o arquiteto do Universo, segundo Floriano Pesaro (PSDB-SP) – sobre todas as coisas. Com a Constituição na mão, pareciam esquecer do mandamento que dizia: “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.”
Não se sabe quantos deputados que saudaram a família têm relacionamento extraconjugal, mas cerca de 3 em cada 5 são investigados por algum tipo de crime, de acordo com a ONG Transparência Brasil, o que explica outro dado: em 2015, apenas 5% dos brasileiros diziam confiar no Congresso, segundo uma pesquisa da Escola de Direito em São Paulo da FGV.
No dia em que o brasileiro trocou o Domingão do Faustão para assistir à votação, os deputados decidiram entregar à plateia o que a plateia já tinha pedido nas pesquisas recentes de opinião de voto: a saída da presidenta Dilma da Presidência. A maioria, sem muito o que falar sobre querelas jurídicas e fiscais, falaram em nome de Deus para uma população majoritariamente religiosa, formada por 64,6% de católicos e 22,2%, de evangélicos.
Isso talvez explique por que o motivo central da votação – as pedaladas fiscais e os créditos suplementares – quase não tenha sido citado no discurso da maioria dos parlamentares.
A maioria falava de decência, de valores, da vontade das ruas e da vontade divina. De vez em quando alguém citava o paradoxo de ter uma sessão presidida por um denunciado na Lava Jato – ou para justificar o voto “não”, ou para minimizar o “sim”.
Cunha, apesar do afago de alguns, apanhou tanto quanto Dilma e o PT. Chegou a ser chamado de gângster e canalha. E ouviu de um colega: “sua hora vai chegar”.
Se este dia vai chegar não se sabe. Mas, em dupla com o vice-presidente Michel Temer, maior beneficiário até aqui da queda da titular, Cunha conseguiu dobrar o governo com folga.
Após 13 anos de governo petista, Dilma assistiu à demandada do PMDB, seu maior aliado, e de siglas como Pros e PSD, que ajudou a fortalecer com alianças e ministérios, além de PP, PR e PSB, que pularam do barco ao longo dos últimos anos, meses e semanas. Dois ex-ministros votaram contra a chefe. No fim, ela ficou com os votos de seu partido, do PCdoB, do PSOL e algumas sobras de outros partidos. Foi pouco.
Ao longo da semana, não faltarão análises para explicar o fiasco. Poucas conseguirão explicar o resultado de domingo se não levar em conta os discursos proferidos durante a sessão e o perfil do Congresso atual.
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