Os espertos e os lesados
Dizem por aí que o mundo é dos espertos. Deve ser mesmo, porque as vítimas dos espertos adoram deixar tudo pra lá. Conheço várias e várias histórias de pessoas que foram lesadas, mas que preferiram aguentar as consequências a tomar alguma providência. É sempre aquela velha história: não arrumar confusão, dá muito trabalho, etc.
Não vejo as pessoas reclamarem quando a fila é furada, quando ficam presas no trânsito e os espertos passam pelo acostamento, quando são sacaneadas no trabalho ou nos negócios.
Há quase um ano eu fechei uma conta que tinha na Nossa Caixa. Odeio bancos públicos, mas era conta-salário. Como não recebia mais por aquela conta, fui até lá pessoalmente falar com o gerente. Havia um saldo negativo, que eu paguei na hora. O gerente assinou o papel, e eu ainda perguntei:
– Só isso? Mais nada? Absolutamente nada?
– Não. Sua conta está fechada.
Pois bem. Passaram alguns meses e recebo um telefonema de alguém do banco, dizendo que havia um saldo negativo de 14 reais na conta, que eu deveria “estar saldando”.
– Não há nenhuma chance de haver saldo negativo porque esta conta foi fechada.
– Senhora, para o nosso sistema a conta consta como ativa.
– Isso é problema do banco, não meu. Não vou pagar um débito que não é meu. O que eu tinha para pagar, eu reconheci e paguei.
– A senhora vai ter que estar indo até a agência e estar conversando com o gerente…
– Eu? Não, minha querida. Você não está entendendo. Eu fechei essa conta e o gerente me garantiu que não havia nada mais. Portanto, não vou sair da minha casa e ir até o maldito centro da cidade resolver um problema técnico de vocês.
– Bom, eu estou avisando que isso pode estar causando problemas…
– O problema é de vocês, não meu. Tenha um bom dia!
Eu sabia que eles iriam aprontar. Bancos usam uma técnica maldita para nunca deixar você fechar a conta. Dizem que o sistema demora tantos dias para fechá-la. Aí nesses dois dias misteriosamente “cai” uma pequena tarifa bancária, o seu saldo fica negativo e a conta não pode ser fechada. Truque velho. Aí você nunca consegue fechar a conta. Por isso os bancos vivem dizendo por aí que possuem tantos milhões de correntistas. Desses, uma parcela são de coitados que acham que a conta deles está fechada, mas não está.
Não deu outra. Em outubro chegou lá em casa uma cartinha do Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) informando que meu nome estava sujo. São uns malditos. Graças ao saldo negativo na Nossa Caixa. Saldo esse que já havia pulado para 50 reais. Não sei como. Nem contando juros de 20% ao mês o valor passa de 14 reais para 50 em tão pouco tempo. Bando de sacanas!
Bem, entrei com uma ação contra o banco, uma vez que o meu nome está sujo e eu preciso urgentemente de crédito. Primeiro, fui ao Tribunal de Pequenas Causas. Demorei horas lá até descobrir que algum funcionário de quinta categoria do fórum inventou que não se pode processar órgãos públicos no Pequenas Causas. E os funcionários do local, que em tese deveriam tirar as minhas dúvidas a respeito, sequer sabiam se a Nossa Caixa era considerada ou não órgão público, já que tem ações no mercado privado. Os caras eram mais burros que jumento empacado, não sabiam falar um mínimo português decente.
Desisti e resolvi entrar na Justiça Comum. E pedi urgência na liminar, para que o juiz mandasse tirar meu nome do SPC na hora. A indenização por danos morais e materiais, é claro, vai demorar 10 anos. Iria demorar bem menos se fosse no Pequenas Causas. Mas, como tudo na Justiça é um lixo, o advogado me explicou que eu até poderia entrar primeiro com uma ação para pedir para entrar com outra ação contra a Nossa Caixa no Pequenas Causas, pois nenhuma lei me impede – e sim decisão de funcionários que devem ser tão antas quanto os que me atenderam. Essa primeira ação poderia demorar séculos e eu tinha urgência em ter meu nome limpo. Portanto…
Bem, eu entrei com a ação no dia 19. Em tese, um juiz tem 24h para expedir uma liminar. Estamos no dia 31 e ele está sentado em cima dos meus papéis. Deve ter feito aviõezinhos, bolinhas de papel pra grudar no teto, usou o verso para desenhar coisas indecentes enquanto falava ao telefone. Qualquer coisa, menos o que eu gostaria.
Nesse meio tempo, meu pai não pára de buzinar na minha orelha. Diz que eu estou sendo boba, que eu tinha que ir lá no banco e pagar logo para ficar livre do problema. Mesmo que eu esteja certa, que o banco esteja me sacaneando e tenha me prejudicado, enviando meu nome indevidamente ao SPC. “Ah, vai ficar perdendo tempo para processar o banco, vai lá e resolve logo!”.
Estão vendo como as pessoas se rendem sempre aos espertos? Vocês podem imaginar que, como meu pai, 99% das pessoas preferem essa saída “diplomática”. E os espertos vão colecionando otários.
Só que a vida tem suas ironias. Recentemente ele foi tentar abrir uma conta-empresa e descobriu que não poderia ter crédito do banco porque a sua LTDA tinha uma cobrança jurídica no valor de 36 mil reais. Meu pai nunca adquiriu nada de tal valor, muito menos deixou de pagar uma mísera conta. Ele é a pessoa mais enjoada que eu conheço pra isso. Passa fome, mas está com as contas em dia. Com certeza, a cobrança é indevida. Foi a minha oportunidade de dizer pra ele: “Por que você não paga só para não ter problemas?”
Se defender de espertos que tentam lhe passar a perna dá trabalho, sim. Mas é justamente porque as pessoas preferem saídas “diplomáticas” que os engraçadinhos fazem o que querem e quase sempre saem vitoriosos.
Agora com licença, eu vou puxar o juiz pelo colarinho!!
Comentários
Mas torço que vc vença essa partida mesmo que dure uns 10 anos, afinal a justiça é lenta. Rss
Big Kiss
Olha a quantidade de correntistas que ele pegam na maracutaia, isso é um verdadeiro absurdo, até em bancos não? Que país é este, apesar que enganadores há no mundo inteiro, ninguém está livre disso infelizmente.
Abraços...
Cecilia
manda bala ...
Também brigo com espertos, até mesmo com os que querem furar fila, na minha frente não deixo!
Parabéns pelo texto!
E para você ver como isso não ocorre somente com órgãos públicos. Há alguns anos eu fui vítima, junto com meu pai, daquele assalto "saidinha de banco". Fui baleado. Um tempo depois minha mãe esteve no banco e solicitou que o gerente colaborasse com a polícia. Sabe o que ele respondeu ?
- Não há lei nesse país que me faça colaborar com a polícia.
E saiu da mesa e a deixou falando sozinha.
O banco em questão é um dos maiores (senão o maior) banco privado no Brasil.
Detalhe: minha mãe e toda a minha família continuam tendo conta nessa banco. Eu sou o único que fez questão de fechar a conta.
O que acontece é que pessoas que "deixam pra lá", tem a falta de percepção de que a impunidade NÃO é uma coisa normal. E deve ser combatida. Mesmo que por apenas 14 reais !
Enfim, boa sorte em sua cruzada.