Trocando em Miúdos

Quem conhece a obra de Chico Buarque, conhece bem a letra desta canção. E nela, é nítido o tom de melancolia e dor que se tem, ao se desfazer de coisas e planos, construídos a dois. Cada coisa que se pega faz lembrar um momento vivido, uma parte de nossa caminhada, um desejo almejado e, de repente, objeto de repartição, isso fica com você, isso comigo, aquilo pode deixar, não vai me servir, mas peço de volta determinada coisa que me é importante demais.

Eu acredito que essa deve ser a analogia ao se dizer que estamos virando uma página. Estamos, intimamente, encerrando um ciclo em nossas vidas e, como esta não pára, começamos outro sem termos pego, sequer, fôlego ou termos tido o merecido descanso do desgaste emocional vivido.

Hoje, acordei com a sensação de sujeira na alma. Uma coisa complicada de explicar, mas acho que todos nós, um dia, já acordamos assim. Como se precisássemos limpar as coisas, rasgar papéis que nos ligam a fatos, pessoas ou coisas que passaram por nossas vidas e deixaram, apenas, restos de recordações. Essa faxina de alma, no entanto, não se faz com um simples rasgar de fotos e documentos, pequenos lembretes ou grandes mensagens. E, podem ter certeza, dói.

A alma sangra e o coração se despedaça. Quando paramos e olhamos em volta, vemos nossos cacos espalhados pelo chão. E, o mais triste, é ter que nos perguntar se vale à pena juntá-los e continuar ou seguir em frente, sem eles, esperando que o tempo cicatrize as feridas e aplaque a dor.

É muito complicado limpar nossa vida. Identificar o que é certo do que é errado, o que precisamos e o que é desnecessário, o que é vital e o que é nada. É como escolher se ter dois braços faz alguma diferença do que não ter nenhum. É como escolher qual dos cinco sentidos devemos descartar. É uma viagem às nossas entranhas para renascer de nosso próprio ventre. É complexo, mas necessário.

Hoje, estou passando a borracha, limpando de vez, muitas coisas que fiz e me arrependo. Outras, no entanto, não fiz e não poderei fazer mais, já passou o tempo que urge e não pára ao nosso bel prazer. Estou com muito medo das coisas que irei, ainda, encontrar, as lembranças que me farão sorrir, outras que me farão chorar. Estou com medo do meu passado, mas preciso abrir espaço para um futuro que, ainda, nem conheço. Preciso fazer o divisor de águas. Preciso trocar em miúdos as sobras de tudo que fui, mesmo que com o peito dilacerado para que eu renasça melhor amanhã.

Comentários

Nossa deu arrepios esse texto...
Adorei.
Uma excelente semana.
Big Kiss